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  • Foto do escritorMoacy A. Pina

"O Natal não é para mim"



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A dez quilómetros da Vila da Igreja no concelho dos Mosteiros, ilha do Fogo, nasceu um indivíduo do sexo masculino, a quem os pais deram o nome de Natalino. De nome quase ninguém o conhecia, mas da sua forma esquelética todos sabem de quem é que se trata, se fossem à procura dele. Natalino era alto, tinha cabelos pretos, olhos pequeninos, braços longos que quando ele andava pareciam estar dependurados nele como se fossem um acessório a ele adaptado.

Era um indivíduo distante, tímido que raramente balbuciava uma palavra. Os pais eram pobres, pois dependiam da agricultura para sobreviverem, por isso não tinham tempo de cuidar do filho como deve ser. Faziam o que podiam para o único filho sobrevivente, pois houve um tempo em que uma febre assolou a ilha e levou-lhes duas filhas que eram mais velhas do que Natalino.

Ele andava na escola, mas nunca transitava de uma classe para a outra sem repetir duas ou três vezes na mesma classe. Ele estava ali como quem não sabia o rumo da sua vida. O professor sempre o deixava de lado nas atividades escolares e extra-escolares, os colegas nunca se aproximavam dele a não ser para lhe chatear ou para praticar bullying. Os pais sempre o viram como o menino que pensavam não sobreviver, e que não era importante quanto às meninas que partiram tão cedo desta vida.

Mas lá no fundo tinha algo especial no Natalino que ninguém conseguia ver. Ele estava sem vontade, não queria estar com os outros porque ele era repelido como se fosse um outro ser. Às vezes se sentia sozinho e sem vontade de continuar ali naquele mundo de milícias, de individualismo. Houve momentos que chegou a pensar que ele não pertencia a este mundo. Os momentos que para ele eram sagrados eram as noites de luar em que ele ficava de cara voltada para o céu a admirar a lua suspensa lá no vazio do espaço, as estrelas a ornarem o ambiente lunar, o som do mar que se ouvia, o eco nas montanhas majestosas e o uivar dos cães vadios da sua redondeza. Tudo isto completava o seu grande pequeno mundo, onde ele não era alvo de troça ou de desprezo de nenhum outro ser semelhante a ele.

Quando entra o mês de dezembro, a temperatura era muito baixa naquela localidade, que às vezes o impedia de contemplar o seu mundo lunar que o fazia sentir-se um ser uno e desigual na natureza. Mas arranjava sempre jeito de combater o frio e embalar nas noitadas de prazer no seu mundo inventado.

Certo dia como ele era o mais alto da turma e também o mais velho, a professora solicitou a sua ajuda para colar uma imagem do pai natal na parede acima do quadro e, por surpresa de todos, Natalino balbuciou algumas palavras que quase ninguém ouviu. A professora perguntou de novo o que ele disse e ele falou alto e disse: “Natal não é para mim”.

A professora perguntou:

- Natalino, porquê que natal não é para si?

Ele respondeu:

- Não é para mim porque eu nunca sinto o que é o natal e nunca ninguém me explicou e nem sei o que significa.

A professora perguntou aos colegas se sabiam explicar para ele o que era o natal. Todos responderam com um “Sim” em coro. A professora perguntou para um aluno da frente e este respondeu que para ele natal era o dia do nascimento de Jesus e que significa paz, amor, harmonia, felicidade. Indicou um outro aluno que continuava com o braço levantado há muito tempo, e este respondeu que para ele natal era ganhar muitos presentes e brinquedos, comer bolos e rebuçados e que ia visitar a madrinha e o padrinho, e que na ceia iam comer arroz que na altura era um alimento precioso. A professora perguntou ao Natalino se a família não comemora o natal e ele disse que para ele era como todos os dias. Mas o que não sabiam era que ele nasceu no dia 25 de dezembro, dia em que se comemora o natal, daí o nome Natalino. Nem mesmo o aniversário sabia, pois os pais estavam sempre ausentes porque tinham que trabalhar e quando chegavam à casa nem tinham a disposição de conversar com o filho, de perguntar se estava bem, de desejar feliz aniversário e ao mesmo tempo feliz natal. A professora perguntou-lhe se sabia quando é que fazia anos. Simplesmente respondeu com um “Não”! Pelo fato da professora ter acesso aos dados de todos os alunos, foi buscar os papéis para confirmar, e por surpresa de todos, ele era aniversariante no dia do natal. Natalino ficou triste por nem saber a data do seu aniversário e também dizer que natal não era para ele. Foi então que a professora e os colegas cantaram parabéns para ele e todos os colegas o desejaram feliz aniversário e natal, e desde então, natalino passou a participar nas atividades da escola e com os colegas, deixou de ser aquele menino que ninguém se importava e passou a desejar que chegasse o dia de natal, pois também era o dia do seu aniversário.

***

Carlos Martins, 4.º ano ECVP

Praia, dezembro de 2016

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